Ponto de Encontro

A propósito do campus universitário da Asprela, no Porto, Ponto de Encontro reflete o estado de mudança e transitoriedade da zona da Asprela e dos seus habitantes, tirando partido da tensão entre as categorias de paisagem e retrato.

As imagens de paisagem são de situações de passagem, incoerência, detalhe mínimo e vestígio, incluindo desta forma indireta a presença das próprias pessoas que por ali passaram, ou para quem as intervenções na paisagem foram pensadas. Desarrumação, acúmulo e construção em processo são marcas recorrentes, numa atenção especial ao menos evidente ou espetacular: cantos, traseiras, mobiliário e lixo.

O estranho destas paisagens tem uma correspondência clara num certo desconforto ou alienação dos retratados: não é fácil ser caloiro na Asprela e ser doutor do “segundo ano” é manifestamente um farsa – aqui como, noutras comunidades, tem que se ir aprendendo o difícil jogo da pertença.

Nestes retratos surgem sempre duas pessoas, reais mas em situação encenada. Os retratados são apresentados como categorias (ainda que os títulos os nomeiem: Rita, Ana, Mário…): estudantes de capa e batina, caloiros, técnicos, médicos… As duas pessoas presentes em cada imagem prometem ao espectador a possibilidade de uma comunidade, promessa todavia espartilhada na guettização do tipo retratado. Não vemos nestas fotografias estudantes confraternizando com seguranças, ou administrativos com jardineiros. Por outro lado, a promessa de socialização dentro da mesma categoria, implícita na encenação operada nos corpos, também nos desarranja, e coloca questões sobre tensões no interior das categorias. A escolha dos locais e dos seus elementos -um vaso contra uma parede, um ramo de pinheiro caído, gravilha a tapar um buraco, duas cadeiras para conversar, duas fotocopiadoras – assumem um olhar

estratégico sobre as incongruências do/no espaço e sobre as possibilidades do real enquanto metáfora do surreal. Susan Sontag estava certa quando famosamente dizia que é na fotografia que o surrealismo triunfa.

Os dípticos paisagem-retratos são duplamente dípticos, a duplicação de pessoas na imagem de retrato, operam como que uma mise en abîme.

As duas formas de representar a Asprela – paisagem e retrato – que o projeto propõe como metodologia de aproximação ao tema, cria relações de tensão e abertura entre si, num questionamento deste recente Campus, como local de passagem, tensão e construção simultaneamente arquitectónica e psico-social.

Série de 14 fotografias, parcialmente publicadas no livro Asprela da Scopio Editions, ao lado do trabalho de 5 outros fotógrafos: António Rodrigues, João Leal, José Maçãs de Carvalho, Olívia Da Silva, e Sérgio Rolando. Editor: Pedro Leão Neto.

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