Aqui fala-nos de diminutas tentativas pessoais de inscrição numa temporalidade mais longa e numa espacialidade mais pública.
Impulsos muito antigos sustentam uma prática naive e irrisória de escrever os nomes, os amores e as datas nas superfícies de organismos outros que não nós mesmos. Descaracterizando e (des)figurando o elemento original, cria-se uma nova figura que supostamente identifica o seu desenhador. O instrumento que marca é normalmente a faca, a faca que perfura e fere, mas o resultado é mais próximo da lápide: Aqui jaz um momento em que estive aqui, Aqui jaz uma autoconsciência exacerbada do eu.
Em Aqui as inscrições não são mais na pele do cacto, ou no tronco da árvore, como é hábito ver-se nas imediações dos Castelos, Parques e noutros locais de passeio de turistas (e será a monumentalidade ancestral do que remanesce que despoleta esse desejo no turista em trânsito de tentar permanecer um pouco mais ali?). Em Aqui as inscrições são trasladadas para um suporte também ele obsoleto: o filme. Desenhando diretamente sobre a película fotográfica revelada, retira-se emulsão pela força da agulha para que a luz do scanner que a atravessar revele o texto.
O texto que desta forma se mostra surge pela repetição das linhas das letras, uma por cima da outra, riscos insistentes sobre o filme que são como a testemunha que repete o sucedido, porque sabe que aconteceu.
Com esta sua insistência testemunhal I Here Eu Us Ici… revela também um certo grau de confusão interior, pela quantidade de cactos e árvores que têm ser marcados, através da indecisão por opção de uma língua única (Inglês ou Português ou Francês), pela repetição do mesmo pronome pessoal (I / Eu), num aqui que não sabemos onde se encontra, perpassado que está por geografias dissonantes. Com efeito, em Aqui confluem os cactos e árvores físicos e reais fotografados algures, e a superfície do suporte fotográfico cuja materialidade e presença física a tornam inevitável enquanto lugar ocupado fisicamente.
FICHA TÉCNICA
Aqui, 2012
Série de fotografias com desenho, várias dimensões
Negativos cor e diapositivos 6×6 cm desenhados
Mostrado na exposição Cinco Séculos de Desenho na Coleção da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Núcleo do Séc XX e XXI, Museu Nacional Soares dos Reis, Porto
e Safira Festival de Artes na Paisagem, evento de 3 dias, Montemor-o-Novo, Portugal. Curadores: Miguel Carrêlo/Chaparro Inquieto e Rui Horta/Espaço do Tempo