Há um ano o nosso tempo na Residência Inter.Meada em Alvito levou-nos, entre outros encontros, a conhecer a Ermida de Santa Luzia. A ideia de intervir temporariamente neste lugar foi ganhando corpo, até se consolidar numa proposta artística objetual, performativa e efémera baseada na técnica ancestral da lanterna mágica.
Realizada especificamente para esta ermida, a peça produz uma imagem projetada – num prato de 60 cm de diâmetro – que agrega a memória do lugar. Imagem dividida e sobreposta, é como um novo fresco, mas de caráter imatérico e de fonte lumínica. Inspirados pelas imagens dos frescos seiscentistas ainda existentes nas paredes desta ermida, a iconografia cristã própria do lugar, na nossa peça sustenta uma dimensão também humana. A transposição imagética que operamos, do fresco ali presente dos dois seios cortados de Santa Ágata, na nossa peça evoca a imagem dos dois olhos de Santa Luzia, da hagiografia das histórias. O dispositivo construído projeta duas imagens a partir de uma só fonte de luz. O olhar divide-se e projeta-se, num espelhar invertido da nossa anatomia – que com dois olhos vemos uma só imagem.
Também, esta obra coloca questões sobre o mundo da sucessão rápida das imagens em que vivemos, sobre esse ritmo aparentemente inevitável. Pode ainda um tão antiquado dispositivo de reprodução de imagem quanto a lanterna mágica, congregar em nós uma resposta espiritual e magnetizante?
O caminho para a Ermida é um percurso pastoril ladeado por oliveiras milenares, numa preparação para o avistamento da altiva ermida, acompanhada por uma oliveira de grande porte. No centro da ermida, dentro da lanterna mágica, utilizamos o mais simples dos métodos de alumiar: o azeite. Sem eletricidade mas com luz, convoca-se com matéria fluida a memória e a referência a esse património territorial e cultural alentejano.
Lugar já não ermo, mas ainda alto, a Ermida de Santa Luzia é simultaneamente marco paisagístico e histórico. É um marco físico no território – uma marca e uma lembrança, mas também histórico. A presença da Ermida convoca a história do próprio Alvito com as suas diversas existências ao longo do tempo: possivelmente o local de um antigo túmulo de morabito, posto de vigia e depois pequena capela.
À medida de um eremita, uma ermida tem a escala de um pequeno grande lugar: lugar de reclusão e introspeção, onde há tempo para o tempo que passa. A instalação acresce ao lugar como alusão ilusiva.
Obra site-specific para a Ermida de Santa Luzia, em Alvito (residência artística – Inter.Meada).
Encontro à Porta da Ermida sábado dia 8 de junho às 17h com Professor Jorge Gaspar, Arq. Luís Duarte Ferro e os artistas.
Ermida de Santa Luzia, 7920 Alvito, Beja
