Interpretação Azorica

Erica azorica, tolpis azorica, marsilia azorica, laurus azorica, nyctalus azoreum, columba palumbus azorica, regulus regulus azoricus…

Os nomes científicos instauram uma pertença, patronímica, territorial, científica, simbólica. Esta pertença pretende-se identitária e no caso dos Açores sublinha especificidades únicas cuja riqueza e abundância contribuem para a imagem genericamente aceite dos Açores como paraíso terreno, isolado, pouco acessível e também por isso, em bruto e com promessas de experiências primeiras.

É também endemicidade que se pretende com estas imagens, mas assumidamente interpretativa. Com uma postura crítica em relação a apostas fotográficas do tipo missionárias, o trabalho desenvolve-se ao longo de dois anos, por várias viagens e algumas ilhas, paralelamente à componente letiva do projeto (que se desenvolve na primeira parte da exposição em Saída de Campo), na perspetiva de apontar especificidades açorianas de índole natural, humana e da ordem da representação visual.

A série de fotografias inicia-se com uma fotografia típica dos Açores da ilha em frente sob o efeito de pôr do sol, instaurando uma tipicidade representacional que se destrói com as imagens seguintes. A reconstrução que se segue aponta o olhar para a organização territorial e soluções de bricologística criativas locais visíveis tanto na separação dos terrenos acidentados para controlo pecuário como na utilização de materiais vulcânicos construtivos como o basalto e na reutilização de materiais diversos para a criação de espaços públicos comunitários de convívio.

O esforço de preservação da biodiversidade é sublinhado com a imagem da replantação de espécies arbóreas locais, bem como no alerta para a necessidade de desenvolvimento sustentável subjacente à fotografia de iluminação festiva com dois golfinhos saltitantes: por que queremos que os golfinhos continuem a existir para lá das suas representações visuais humanas e estilizadas.

À dificuldade de habitar a rudeza do terreno vulcânico com o seu particular microclima, como nos dão conta as soluções para a eletrificação da paisagem e a descrição das casas que com o tempo adquirem a direção do vento, contrapõe-se o valor geoestratégico e geopolítico do território, que interfere na paisagem com construções militares e na arquitetura doméstica com artefactos – como quando um míssil se torna elemento decorativo de um jardim privado.

Por fim, um pequeno bar de estrada expressivamente recoberto de ilustrações quase científicas de exóticas espécies marinhas, lembra-nos, através da autorepresentação visual, o arquipélago dos Açores simbolicamente como um aquário, enquanto pequeno contentor transparente – observável e observador – das maravilhas naturais do mundo.

Este projeto fotográfico inclui-se num projeto mais vasto de investigação-ação em que fui consultora e formadora para a área da fotografia. Cidadania e Sustentabilidades para o séc XXI. Caminhos para uma Comunidade Sustentável nos Açores. Projeto do Conselho Nacional de Educação, coordenado pela Doutora Ana Maria Bettencourt (Presidente do CNE) e co-finaciado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, teve vários momentos de formação e exposições nos Açores.

Publicação do projeto pelas Edições tinta-da-china. Nos trilhos dos Açores. Educação para a Cidadania (2014) Ana Maria Bettencourt e Manuel Carvalho Gomes (ed.), 2014, 151p. ISBN: 978 989 671 205 1

Responsabilidade pela redação de um capítulo (107-137 pp.).

FICHA TÉCNICA

Interpretação azorica
Exposto 2012,

no terreno. açores, Pavilhão do Conhecimento /Ciência Viva, Expo, Lisboa

Publicado no livro Nos trilhos dos Açores. Educação para a Cidadania (2014), Edições tinta-da-china.

17_Capa livro