Este é um projecto realizado a propósito do Euro 2004 para as páginas centrais da revista Laura. O texto relata na primeira pessoa uma relação entre duas pessoas usando a linguagem do relato futebolístico. Este texto escrito a partir do texto falado, pretende criar uma metalinguagem para falar da relação física no futebol, universo de sedução, hesitações, desejos, expectativas e traições.
Texto reproduzido ao longo da duas páginas centrais com tipo de letra e cor da revista:
Foi uma época má. O tempo não ajudava, parecia que quanto mais me esforçava pior as coisas saíam, uma data de mal-entendidos numa história a lutar contra o relógio e alguém interrompe, um comentário, uma sentença e tu, lá estás, a colocar a conversa fora do alcance, as palavras a saírem-te ao lado, ofensivo, e eu, a sonhar com emoções banais. O piso está escorregadio, olho-te, também tu vacilas, é como uma dança, eu aqui tu ali, e por aí fora. Mas há uma alteração de novo, e tu, que chegaste a estar em dúvida, tiveste uma belíssima participação sobretudo numa altura difícil para mim mas isso obrigou-te indiscutivelmente a um grande desgaste. Consumada a alteração, recebo-te no peito, sacudo-te, mas a entrada é dura e o golpe mal medido. Encaminho para a frente, sou obrigado a recuar, por estar a ser perseguido – apertado, melhor dizendo – nada que o teu apoio não possa resolver. Vamos rompendo, insistimos, cobramos de volta, e aguentamos ali a carga. Ganhas campo, velocidade e parece que te ouço entoar: o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro, não se percebe muito bem o que queres fazer, uma espécie de aviso à navegação – como se já não os houvesse em número suficiente, e claro, isso ajudou a tirar-me algum gás, a mim que, mérito me seja reconhecido, entrei com uma enorme vontade de dar a volta e mudar a direcção das coisas. Mas isso não chega, não é? E lá está, fazes o corte, protestas, dás para trás, e acompanhas a descida. E eu que não consigo reagir como queria. Era já premonitório. A sofrermos até ao fim.
Há uma grande movimentação, olho-te, preciso de te olhar, sem pensar, também eu à beira do desequilíbrio, vejo-te a gritar mas não te ouço, mímica longínqua. Os tempos são de grande sorte. De repente isto está a correr bem, estico-me e consigo impedir o pior, ganhamos ânimo para lutar. Há como que um regresso, uma entrada nova, outro regresso, a conversa já não é tão aérea, tens um momento de grande inspiração e eu a concretizar-te, um a dar assistência ao outro, uma dupla invencível, a fazer rodar os outros para poupar energias. Dizem-me que tivemos um ligeiro desaguizado, que se calhar isto vai reeditar esse teu mau génio, mas os outros nem nos cheiravam, não nos cheiravam de maneira nenhuma, não tinham tempo para isso, e como não nos cheiravam, tiveram que ir buscar um lenço. Continua um ambiente fantástico, numa noite histórica, uma noite endiabrada com perfume de grandes desígnios. Nem ouso olhar para o lado, por medo de vacilar. E o corpo desejoso de acção espera, a mente vagueia e o corpo espera, espera. E a corrida é contra o tempo. Sigo-te para todo o lado, e nunca me sais da cabeça, dizes-me algo entredentes, um sussurro indecifrável, murmúrio quase inaudível – mas na tua cara estão todas as palavras, por momentos esqueço os outros, mas os momentos são curtos, mesmo quando sei que não sou só eu que tenho medo, e tu dividido, indiscutivelmente mais pausado, a correres para onde eu não estou, como se um gesto não fosse um acto da razão, deixo de te ver,
Relato, 2004, projecto para o número 0 da Revista de Cultura Arquitectónica Laura, a propósito do Euro 2004, Arte em Campo / Faculdade de Arquitectura da Universidade do Minho, Pólo de Guimarães.
Texto para as páginas centrais da revista com tipo de letra e cor da revista.
